Coleção Argonauta, E-book

“Perdidos na estratosfera”, de A. M. Low

Nos primeiros anos do século XX, a literatura que agora chamamos de ficção científica ainda estava se consolidando, num estágio relativamente informe e um tanto indisciplinado. Como os cientistas ainda tentavam compreender o funcionamento do nosso planeta Terra, os mundos de nosso sistema solar eram um mistério que só a especulação podia explorar. O Livro “Perdidos na estratosfera” (Adrift in the Stratosphere) foi criado justamente nessa zona cinzenta do desconhecido e se dedica às mais extravagantes especulações.

Apesar da escassez de informações da época, era de se esperar que um cientista treinado poderia se sair melhor do que outros autores pulp para inventar uma história plausível sobre os mistérios escondidos no céu e além, desvendando as profundezas do espaço. Aceitando o desafio, o notável inventor e cientista inglês Archibald Low, escreveu uma história dedicada a mostrar o que existia nas camadas superiores da atmosfera terrestre e no espaço.

A edição de 1953, da coleção Argonauta e uma dos EUA: conceito de nave-foguete

O professor Archibald Montgomery Low (1888-1956) teve uma vida extraordinária: foi um engenheiro aeronáutico inglês, físico pesquisador, inventor e também um prolífico autor. Ele escreveu mais de quarenta livros, a maioria deles livros de não ficção sobre tópicos científicos. Era uma figura inquieta, supostamente passando de um projeto para outro sem terminar seus empreendimentos e irritando os outros com quem trabalhava por causa de sua falta de disciplina — além disso, Low mantinha uma irritante insistência em ser chamado de “professor”, apesar de não ocupar uma cadeira acadêmica em qualquer escola.

As áreas em que Low atuou foram amplas. Com uma curiosidade nata, começou a fazer experiências científicas ainda na infância e logo juntou-se à empresa de engenharia de seu tio, onde desenvolveu dispositivos inovadores como um injetor de combustível para motores de combustão interna, uma caldeira de ovos que apitava para sinalizar o cozinheiro e turbinas a gás (embora seus projetos de turbina não pudessem ser apoiados pela metalurgia da época). Ele também trabalhou em uma das primeiras televisões que transmitiam imagens por fio. Durante a Primeira Guerra Mundial, Low foi comissionado no Royal Flying Corps e desenvolveu aeronaves controladas por rádio com uma variedade de capacidades, e também foguetes guiados. Ele também trabalhou em sistemas de controle de rádio para navios. Os alemães ficaram tão alarmados com suas inovações que dois atentados foram cometidos contra sua vida: da primeira vez, atiraram em seu laboratório; na segunda, ofereceram-lhe um cigarro que mais tarde foi descoberto estar envenenado.

Archibald Montgomery Low Trabalhando em suas invenções

Após a guerra, Low fundou sua própria empresa de engenharia, mas não eram um bom administrador e poucos de seus projetos foram concretizados. De todo o modo, suas invenções foram muitas e envolviam várias disciplinas científicas. Ele também era um membro da British Interplanetary Society, e por um tempo serviu como seu presidente. Ele serviu como civil para o Ministério da Aeronáutica e mais tarde foi contratado para trabalho adicional, em grande parte por sua inventividade e capacidade de pesquisa.

Sua carreira de escritor abrangeu os anos de 1916 a 1954 e consistia principalmente em livros sobre ciência e tópicos militares. Ele também escreveu quatro romances de ficção científica, incluindo o “Perdidos na Estratosfera” (Adrift in the Stratosphere). Praticamente esquecido nos dias atuais, Low foi um visionário que esteve muito à frente de sua época. Hoje sua obra é difícil de ser acessada, mas é possível encontrar um de seus livros de não ficção, Wireless Possibilities, no site do Project Gutenberg.

Nas edições mais antigas, à direita, o design da nave era mais rústico

Uma aventura pela misteriosa estratosfera e além…

O livro de Low começa com três amigos — Peter, Phillip e Victor — andando de moto pelo interior da Inglaterra. Quando a motocicleta de Victor apresenta problemas no motor, os amigos procuram assistência e encontram um galpão. Eles entram e encontram não apenas ferramentas, mas também um veículo, feito de alumínio, que parece combinar as características de um balão e de um foguete. A nave, batizada de “Aeronauticus”, é uma criação do notável cientista Alfred Joseph Slater, que acabara de prepará-lo para sua jornada inaugural, parando para almoçar antes de partir. Mas quando um dos jovens curiosos esbarra sem querer na válvula ascendente, a nave começa a se elevar com seus incrédulos três passageiros. 

A nave dispara pela atmosfera, ganhando cada vez mais altitude, e os três amigos precisam descobrir como ela funciona, antes que seja tarde demais e se percam na perigosa e misteriosa estratosfera. 

É preciso ter em mente que em 1937, quando o livro foi publicado, pouco se sabia sobre as camadas e os limites da atmosfera terrestre. Para termos uma idéia, foi no século XIX que se iniciaram estudos consistentes sobre a composição química das camadas superiores da atmosfera, com a descoberta, por exemplo, da existência do gás ozônio em grandes altitudes. Mas foi na década de 1920 que o cientista F.A. Lindemann demonstrou que seria possível obter algum conhecimento da variação da densidade do ar com a altitude na alta atmosfera por meio de observações de ventos, luminosidade, e até que altitude haveria influência dos elementos climáticos. Até aquele momento não existiam instrumentos técnicos que permitissem precisar a altitude na atmosfera sob a influência dos elementos climáticos. Logo, instrumentos fotográficos foram instalados em balões lançados na atmosfera, porém estes instrumentos não ultrapassaram a altitude de aproximadamente 35 km, o que limitou o campo de observação e os elementos climáticos neles registrados. Estes estudos, portanto, só alcançavam a troposfera, camada mais próxima da superfície terrestre, onde encontra-se o ar que respiramos — acima dela, o ar ficava muito frio e rarefeito criando um limite intransponível para a exploração humana.

No início do século XX supunha-se que o ar acima da tropopausa era frio em todos os seus níveis. No entanto, quando cientistas obstinados calcularam as densidades das camadas superiores e as compararam com as observações dos elementos climáticos, descobriram que em torno de 30km e acima de 50 km de altitude, estas faixas tinham temperaturas semelhantes — isso era um mistério surpreendente! Em 1922, os cientistas Lindemann e Dobson publicaram a hipótese que o ar acima de 50km deveria ser muito mais quente do que se pensava outrora e que essa alta temperatura deveria ser causada pela absorção de radiação ultravioleta pelo ozônio na alta atmosfera (e isso foi confirmado mais tarde). Na época, a comunidade científica ridicularizou esta possibilidade, publicando nos jornais artigos jocosos que argumentavam que seria impossível haver uma temperatura semelhante a da superfície na alta atmosfera!

Voltando a história do livro, fica claro que Low — sendo ele mesmo um cientista — tomou conhecimento da incrível descoberta de que havia, nas grandes altitudes, uma faixa atmosférica tão quente quanto aqui embaixo, na superfície. Especulando sobre isso, o autor imaginou que, se fosse possível ultrapassar a barreira fria da troposfera, se alcançaria a “zona quente”, uma espécie de oásis estratosférico que poderia abrigar vida! 

Na aventura criada por Low, o “aeronauticus”, faz uso de um balão para sua ascensão aos limites da troposfera; para ultrapassar a zona congelante, o aparelho conta com foguetes, que lhe permitem a ascensão para a misteriosa estratosfera. Mas essa fantástica viagem não é fácil e os três jovens precisam lidar com a falta de oxigênio e os efeitos da mudança de gravidade! 

Para a sorte dos três aventureiros, o aparelho voador conta com inúmeros recursos, e tão logo aprendem como alguns dos equipamentos funcionam, os jovens conseguem se salvar do congelamento e da falta de ar. Mas os perigos da estratosfera são muitos, e logo se deparam com a perigosa fauna flutuante que habita as perigosas camadas de gás venenoso…

A criatividade do autor não tem limites: a certa altura, os jovens ouvem uma linguagem estranha vindo do rádio instalado na cabine. Felizmente, o cientista criador do “aeronauticus” já havia incorporado um tradutor ao sistema de recepção, o que permite ouvir transmissões vindas de outro planeta! Seriam amistosos? 

A aventura dos relutantes exploradores segue em um crescente de extravagante imaginação, de forma a incluir ilhas flutuantes (alguém lembrou de Avatar?), civilizações perdidas, alienígenas malignos super avançados, seres pacifistas de moral superior, revelações surpreendentes sobre as origens do ser humano, etc, etc…

De fato, “Perdidos na estratosfera” é uma aventura de “proto-ficção científica” de contornos infanto-juvenis, sem muitos compromissos com fatos científicos. E isso faz muito sentido, uma vez que a história foi originalmente publicada (com o nome “Space”) como uma série em 10 partes, para a revista Scoops.

Publicação original na revista “Scoops”, em fevereiro de 1934

Scoops foi uma revista semanal de ficção científica britânica publicada em 1934, destinada para meninos. As histórias eram focadas em aventuras, explorando os temas mais instigantes de uma época em que muitas das tecnologias emergentes (rádio, televisão, foguetes, robôs) eram miraculosas para as crianças. Para se ter uma ideia, quase todas as edições traziam histórias com robôs: homens metálicos voadores que derrubam aviões, autômatos assassinos, ladrões robóticos e toda a sorte de criaturas artificiais malignas…

Com os olhos de hoje, a visão de Low sobre os mundos perdidos da estratosfera nos parece exagerada e desgarrada da ciência, mas a verdade é que “Perdidos na estratosfera” é um registro de seu tempo. A própria definição de estratosfera ainda não estava consolidada em 1937 e o autor apenas usou algumas parcas informações sobre a “zona quente” de forma um tanto elástica para sua aventura juvenil. Imagino que os meninos, lá nos distantes anos 1930, ficaram estupefatos com as descrições técnicas da história, com seus balões, “foguetões”, aparelhos tradutores de rádio, controles de ascensão… e os inimagináveis comprimidos de ar! Tudo isso, se comparado aos desajeitados robôs bandidos que infestavam a revista Scoops, era de uma verossimilhança científica surpreendente.

O livro que está prestes a ler é um marco histórico. Foi ele que deu início a famosa Colecção Argonauta, que formou gerações de admiradores do gênero da ficção científica, tanto em Portugal quanto no Brasil. Assim foi anunciado na contracapa deste livro, no distante ano de 1953: 

“Este é o primeiro volume de uma nova colecção que a Editora Livros do Brasil decidiu lançar no mercado, no seu esforço para manter um grau de actualidade de realizações capaz de igualar o que se tem feito no estrangeiro. A juntar às Colecções já editadas por Livros do Brasil, nasce agora a primeira série portuguesa de livros de Ficção Científica, a mais moderna e audaciosa forma de literatura, que tão grande número de entusiastas adquiriu já, principalmente, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em França. Escolheu-se, para primeiro volume da nossa Colecção, um romance de aventuras do Professor A. M. Low, célebre no Mundo inteiro pelos seus inventos científicos, antigo comandante das obras Experimentais do Real Corpo Aéreo e que, na sua qualidade de presidente da Sociedade Interplanetária, não desdenha assinar obras deste gênero.”

O primeiro livro da Coleção Argonauta é possivelmente o mais raro

Sobre o E-book

  • Este arquivo foi feito para a preservação da memória da ficção científica no Brasil e destina-se à pesquisa e aos fãs. Sua venda portanto é proibida. O livro foi digitalizado em sua integralidade, mantendo o texto original.
  • Foram incluídas também notas explicativas, para auxiliar a compreensão de alguns termos muito específicos e aumentar a imersão de leitura. Um agradecimento muito especial aos apoiadores do site, sem eles na existiria esse ebook.     
  • A ilustração de capa foi mudada. As propagandas internas foram descartadas para manter o tamanho do arquivo o menor possível, de forma a facilitar sua circulação e otimizar a leitura em smartphones e tablets.


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